(por Alberto Handfas – diretor Adunifesp)
No dia 25 de julho ocorreu a 1ª rodada da Mesa Permanente de Negociação do governo federal com os Sindicatos de Servidores Públicos Federais (SPFs), representados pelos dois fóruns, Fonasefe e Fonacate. Conforme acordado em reunião prévia, a rodada desta semana limitou-se à pauta não-remuneratória. Discutiu-se assim o “Revogaço”: reivindicação dos SPFs ao governo para que revogue as medidas anti-trabalhistas e anti-serviços públicos implementadas desde o golpe de 2016 (governos Temer e, sobretudo, Bolsonaro). A recomposição de perdas inflacionárias dos salários será debatida nas próximas reuniões da Mesa, até 31/08. Apresentamos aqui um resumo dos pontos demandados e das discussões desenvolvidas com o secretário de Relações do Trabalho do Ministério da Gestão e Inovação (MGI), José Lopez Feijó. Foram debatidas as seguintes demandas.
1. Retirada da PEC-32 (Reforma Administrativa), que – elaborada originalmente por Guedes/Bolsonaro – é um ataque sem precedentes aos direitos trabalhistas dos Servidores Públicos (fim da estabilidade, redução de salários etc) e aos Serviços Públicos. A reivindicação é urgente dada a insistência do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, em ameaçar coloca-la em votação imediata e prioritariamente. O representante do MGI na Mesa reiterou o compromisso do governo federal contra tal PEC e sua tramitação, caso Lira cumpra sua promessa. Mas lembrou que o Executivo não tem o poder de retira-la da pauta e muito menos arquiva-la, prerrogativa apenas do próprio presidente da Câmara ou – a depender de sua vontade – de uma possível (mas incerta) votação em Plenário. Se não é possível saber se Lira e o Centrão são mesmo capazes de obter os 308 (3/5 dos) votos à aprovação da PEC, é ainda mais duvidoso imaginar que o governo e os partidos aliados ao movimento sindical e em defesa dos Serviços Públicos tenham votos suficientes para aprovar um pedido (do Executivo) de retirada de tal PEC da pauta. Isso se Lira de fato colocar tal pedido em votação[1], ao invés de ignora-lo e seguir tramitando a PEC. Os Servidores terão de retomar firme a mobilização nas ruas para pressionar o Congresso e barrar de vez essa (contra) reforma administrativa (como, aliás, feito em 2021).
2. Revogação do Decreto 10.620/2021 e a retirada do P.L. 189/2021 (ambos também de Bolsonaro), que transferem a concessão e manutenção das aposentadorias dos locais de trabalho dos servidores (do RH da Unifesp em nosso caso) ao INSS (que, aliás, não está equipado nem preparado para tanto). O governo explicou que, aqui também, mantém seu compromisso em atender tal demanda e, por isso: (a) já suspendeu e congelou todas transferências previstas pelo Decreto; (b) prepara um novo Decreto que revogará definitivamente o 10620; (c) retirará o PL bolsonarista. Isso tudo, porém, exige a elaboração de uma nova Lei Complementar (em substituição a ambos, Decreto e PL) que defina uma “unidade gestora” do Regime Próprio dos Servidores Públicos – de acordo com a determinação da EC-103/2019 (a PEC da reforma da previdência aprovada em 2019). Pela proposta do governo (que será apresentada e debatida na Mesa previamente), tal “unidade” teria um caráter mais supervisor de maneira a manter a gestão, concessão e manutenção nos RHs das autarquias e locais de trabalho dos servidores.
3. Alterações de artigos da Instrução Normativa-02 de 2018, que obriga servidores a um único esquema de plantão (atingindo particularmente, mas não somente, servidores de Hospitais Universitários). O representante do governo na Mesa se comprometeu a estudar uma proposta para atender a demanda em conjunto com a Fasubra (sindicato nacional dos TAEs das Universidades Públicas), que explicou ter uma greve sendo preparada para setembro caso isso não se resolva. Não houve acordo ainda, contudo, sobre como flexibilizar um outro ponto de tal Instrução, que diz respeito à liberação de compensação de horas das atividades sindicais de servidores.
4. Revogação da Instrução Normativa-54 de 2021, que restringe gravemente o direito de greve dos SPFs. Aí também, o governo disse que irá estudar a proposta e apresentar uma resposta mais adiante deixando certa ansiedade dentre os sindicalistas presentes.
5. Licença para exercício classista, em conformidade com a Convenção 151 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário desde 2010. Vale lembrar que os servidores federais são os únicos que ainda não têm legislação que garanta tal direito (estaduais e municipais já têm). O governo explicou que concorda com a demanda e que já prepara proposta contemplando-a a ser apresentada em breve à Mesa.
6. Consignação sindical: os sindicatos reivindicam na mesa a reversão da medida imposta por Bolsonaro que impede o desconto em folha das contribuições sindicais voluntárias de associados, bem como permite desfiliação/filiação pelo Siape (sou.gov), sem passar pelo sindicato. Tudo isso, claro, foi implementado visando destruir os sindicatos no país, conforme declarava altivamente o ex-presidente. Os sindicatos acabaram perdendo em média de 20% a 30% de suas arrecadações devido a essa medida. O atual governo se comprometeu a atender de imediato essa reivindicação e reverter por completo tal processo até o mês de agosto.
7. Revogação dos artigos 2 dos Decretos 9.262/2018 e 10.185/2019 que suspenderam Concursos Públicos. O governo não concordou em manter concursos em cargos extintos. Mas os sindicatos explicaram que cargos não-extintos acabaram sendo atingidos também por tais decretos – o que fez o representante do governo se dispor a seguir conversando com sindicatos para averiguar e entender tais casos e avaliar como manter seus concursos. Algo que deve ser detalhado inclusive nas Mesas Setoriais para cada carreira.
8.Alteração do Decreto 9991/2019, de maneira a permitir que a formação e o desenvolvimento profissional dos Servidores não sejam centralizados pela (nem de exclusividade da) Escola Nacional de Administração Pública, como previsto pelo Decreto. Os sindicatos reivindicam a utilização da vasta rede de Universidades Públicas e Institutos Federais brasileiros (que já têm infraestrutura, cursos prontos, e capacidade par formular e elaborar currículos à formação e ao desenvolvimento dos SPFs). O governo pediu para estudar o tema e transferi-lo à próxima reunião da Mesa.
Das oito reivindicações discutidas na Mesa, portanto, três delas (2, 5 e 6) foram aceitas e já encaminhadas pelo governo. Outras quatro (3, 4, 7 e 8) foram aceitas para estudo e discussão nas próximas rodadas. E uma (1) recebeu o completo apoio político do governo, sem que o mesmo possa tê-la resolvido (já que depende do Congresso). O avanço da resolução desta, bem como das demais demandas, dependerá sempre da mobilização dos servidores e capacidade de pressão e, sobretudo, sensibilização da população em geral – que é quem mais necessita de serviços públicos de qualidade.
[1] Em artigo no Diap, L. A. Santos discute as possibilidades e dificuldades regimentais de um pedido de retirada de tramitação da PEC (algo possível de ser feito pelo autor da PEC, o Executivo). “[C]onclui-se que a retirada da PEC 32/20 [a pedido de seu autor, o Executivo – hoje Lula], embora possível, não é automática, e dependerá de despacho do presidente da Câmara dos Deputados que submeta a mensagem presidencial ao plenário; caso não o faça, porém, a matéria [PEC-32] poderia ir a voto”. Ou seja, Lira pode simplesmente ignorar o pedido de retirada de Lula, já que, como o artigo explica, há jurisprudência para tanto. “Se submetida a mensagem com o pedido (por Lula) de retirada ao plenário, será necessária aprovação pela maioria simples dos membros da Casa”. Maioria simples que o atual governo e os partidos de esquerda não têm garantida (ao menos nesta questão – tão defendida/festejada consensualmente pelo grande capital), a não ser que empurrada uma gigantesca mobilização de massas. A (indecorosa) jurisprudência mencionada pelo artigo Diap refere-se a um PL anti-trabalhista de FHC (4.302/98) que tramitou até início de 2003, quando Lula (recém-empossado) pedira para retira-lo de tramitação. Mas o pedido não foi submetido a voto até ser finalmente ignorado pelo presidente da Câmara em 2017 (!), quando o PL teve sua tramitação retomada, sendo então rapidamente aprovado. Tudo com a anuência do STF – que rejeitou recurso/mandado de segurança do PT, que pediu anulação da aprovação do PL, dada a não submissão à voto em plenário do pedido de retirada por Lula.