Cabe a CGU garantir nosso apreço pelo capitão?

ARTIGO/ Cabe a CGU garantir nosso apreço pelo capitão?

O governo do capitão Bolsonaro vive de crises, tem as crises como combustível e método: são embates, ameaças, tensionamentos, agressões e impropérios, já que não há propostas de governo além de medidas de ajustes fiscais que acalentam as esperanças de “o mercado”, criatura, essa sim, mitológica, que ainda espera ter seus anseios atendidos por prepostos na Esplanada.


Não é de hoje que os servidores públicos são colocados na linha de frente dos ataques do governo: parasitas com fartas geladeiras e furtivas granadas nos bolsos, os servidores federais recebem periodicamente mensagens do tipo: “Você sabia? Todo agente público deve ser honesto, leal e justo, demostrando sempre a integridade do seu caráter.” Sim, nós sabemos e não precisamos consultar constantemente o Manual de Conduta do Agente Público Civil do Poder Executivo Federal, várias vezes reenviado, para nortear nossas ações pela lei e pela ética.

Recentemente, o MEC enviou  documento para universidades federais alertando para a necessidade de prevenção e punição de atos político-partidários em instituições públicas federais de ensino, a despeito da decisão unânime do Supremo Tribunal Federal, que reafirmou o direito a manifestação livre de ideias e divulgação do pensamento nos ambientes universitários ou em equipamentos sob a administração de universidades públicas e privadas, de acordo com o voto da relatora:

_Reitere-se: universidades são espaços de liberdade e de libertação pessoal e política. Seu título indica a pluralidade e o respeito às diferenças, às divergências para se formarem consensos, legítimos apenas quando decorrentes de manifestações livres. Discordâncias são próprias das liberdades individuais. As pessoas divergem, não se tornam por isso inimigas. As pessoas criticam. Não se tornam por isso ingratas. Democracia não é unanimidade. Consenso não é imposição, é conformação livre a partir de diferenças respeitadas._ (Voto da Ministra Carmen Lúcia, em 08 de maio de 2020)

Agora, uma Diretoria de Responsabilização de Agentes Públicos da Corregedoria-Geral da União (CGU), por meio de uma Coordenação-Geral de Instrução e Julgamento de Servidores e Empregados Públicos, respondendo a denúncia feita por político bolsonarista gaúcho, constrange professores  da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) com a assinatura de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), instrumento não previsto na Lei 8.112/1990 (regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais) mas, por si só, ameaçador.

Na UFPel, a indicação da presidência para a Reitoria desconsiderou, mais uma vez, a vontade da comunidade. Os professores se posicionaram contra isso, defendendo a autonomia da Universidade, tão vilipendiada nesse governo, e foram admoestados por manifestarem desrespeito e desapreço ao presidente (sic, sic).

Entende-se que não é papel da CGU garantir que tenhamos respeito e apreço pela pessoa do capitão, negando seus assanhamentos autoritários e as constantes ameaças à democracia, desconhecendo as vezes que enalteceu torturadores e milicianos, considerando-o ainda um exemplo no enfrentamento da pandemia. Não, a CGU não nos pode exigir tanto, mas alega, segundo o texto do TAC, não serem permitidas essas “manifestações” no ambiente de trabalho, considerando-se como tal canais de YouTube (e talvez canais pessoais ou redes sociais, por se supor uso do tempo de trabalho, tão zelosamente vigiado pela CGU) pois, segundo o ministro da Educação, trata-se de imoralidade administrativa.

Nós poderíamos apresentar uma extensa lista de exemplos de imoralidade administrativa, inclusive o uso de órgão de Estado como a CGU para blindar o governo de críticas. Esse espaço seria pouco para isso, mas artigos, reportagens, depoimentos e relatos se avolumam nesse sentido e certamente serão matéria a ser tratada no ambiente universitário, presencial ou remoto, como resultado de manifestações livres, críticas e fundamentadas, sem medo das ameaças feitas por instrumentos burocráticos de controle do trabalho docente, da liberdade de cátedra e da autonomia universitária.

Não, o capitão não tem o nosso apreço e o nosso respeito, por nada ter feito para merecê-los. E também não terá o nosso medo. Todo apoio aos colegas da UFPel e a todos e todas que se indignam, resistem e reagem. 

*Isabelle Meunier – professora da UFRPE e secretária Geral da Aduferpe*

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